domingo, abril 30, 2006

Sobre os professores e a profissão docente.

O suplemento Sinapse do Jornal Folha de São Paulo de setembro expôs para todo o Brasil dados sobre o perfil etário dos professores brasileiros que há muito vêm sendo discutidos pela comunidade acadêmica. São informações alarmantes que mereceram comentários, dentre outros, do articulista dessa Folha, Walter Ceneviva, em sua coluna do dia 08/10/2005. Depois disso, várias articulistas voltaram à questão. Tais dados demonstram que os jovens estudantes já não escolhem a profissão docente como uma forma de “ganhar a vida honestamente e de contribuir para a sociedade”, como se diz da profissão desde, pelo menos, o século XIX.
Mas, o que os dados nos dizem? Em primeiro lugar, e obviamente, que, conforme a própria matéria aponta, daqui a alguns poucos anos, aquilo que já é uma realidade em algumas áreas (física, matemática, geografia, dentre outras) será generalizado para toda a educação básica: faltarão professores para a escola básica brasileira. Mas, não apenas isto. O mais grave é que, independentemente do número, verifica-se que a profissão perdeu, de vez, o poder de atrair/seduzir jovens talentos. Ou seja, a tarefa socialmente relevante e culturalmente fundamental de conduzir as novas gerações ao mundo adulto já não atrai parcela significativa (e necessária) de sujeitos dessa mesma sociedade. É como se os jovens estivessem dizendo: não vale a pena jogar o melhor das minhas energias nessa tarefa, apesar de sua relevância social e cultural.
Não podemos confundir, com isso, que os jovens que entram na universidade e buscam uma formação que lhes garantam a sobrevivência digna não considerem a profissão docente como relevante ou que aos próprios professores não gozem de considerável prestígio social. Em pesquisas realizada no mundo inteiro, inclusive no Brasil, as populações consideram a profissão docente como uma das relevantes socialmente. Onde estaria o problema então?
Não há dúvida, e numerosos estudos o demonstram, que a questão salarial é uma das mais candentes. Nos últimos dias, por exemplo, observamos os professores mineiros enfrentando o Estado que se propõe a aumentar o piso salarial da categoria de R$212,00 para R$305,00!!!! Não há como convencer os jovens que uma profissão que retribui economicamente tão mal os seus praticantes, seja uma escolha sensata quando se vai abraçar como carreira. Mas, penso, esta não é a única questão, inclusive por que os salários dos professores nunca foram dos mais altos na administração pública. Ao longo do século XIX, por exemplo, os professores tinham que buscar outras fontes de renda para fazer frente às necessidades de manutenção de suas famílias, quando não das próprias escolas. Este aspecto não mudou muito no século XX.
Penso que outra dimensão do problema está na crescente complexificação do papel dos professores nas sociedades modernas e, face a isto, a manutenção de políticas de educação (e de atuação junto ao professora) ultrapassadas. Hoje, talvez mais do que nunca, o professorado sabe que a “condução das novas gerações” implica um conjunto enorme de saberes e competências, continuamente explicitadas pelas políticas educacionais e pela literatura que o professor tem acesso ao longo de sua formação e de sua atuação profissional. No entanto, ao mesmo tempo, as precárias condições de formação e trabalho e a baixa remuneração impedem que os docentes tenham acesso, de fato, a tais saberes e competências. Este é um dos aspectos que aumentam ainda mais a já tensa – por sua própria natureza – experiência docente.
Soma-se a este aspecto, o fato de que as desigualdades sociais e econômicas estão fazendo com que a experiência docente, que sempre foi marcada pela experiência do medo e do receio do outro, esteja cada vez mais naturalizando a violência física como um padrão de relação entre alunos/alunos e destes com professores. Explico: elemento fundante da relação docente, a relação com o outro é sempre tensa e, no caso do professor, sempre comporta uma certa violência simbólica de condução deste outro – o aluno – ao universo adulto. Mas, e quando, como hoje, a violência é uma ameaça constante ao próprio professor, qual a repercussão disso em sua subjetividade e em sua maneira de encarar as próprias responsabilidades?
Diante do crescente fracasso (secular) da escola em realizar bem as suas tarefas mais básicas, o Estado, principal responsável pelas redes públicas de ensino, sempre adotou as mesmas políticas: reforma dos cursos de formação e dos currículos escolares, mudanças dos livros didáticos e acenos de adoção de novas, e salvacionistas, tecnologias de ensino. Em comum, todas essas reformas têm o fato de imputar ao professor a maior responsabilidade pelo chamado “fracasso da escola”. De tanto se dizer isto ao longo de pelo menos dois séculos de história da escola, essa é uma idéia que ronda os professores, como o é, também, a idéia de que é a educação que vai salvar este país! Quanto à melhoria dos salários e das condições de trabalho, isso sempre ficou para um futuro incerto que nunca chegou, inclusive porque o “serviço da instrução“ reúne um contingente tão considerável de profissionais que o aumento salarial, por pequeno que seja, repercute enormemente nas já combalidas finanças do Estado (este são termos do século XIX!!!).
É evidente que a experiência dos professores marcam também as experiência dos alunos. E qual aluno, uma vez chegando a sua vez de escolher uma profissão, escolheria uma tal profissão, mesmo que ele a considere relevante socialmente? Depois de conviver ao longo de sua infância e parte de sua juventude com professores extenuados, desmotivados, mal remunerados...quem se atreveria a escolher a profissão? É evidente que sempre há exceções e, felizmente para muito de nós, elas foram e são muitas, mas a regra é que a profissão docente concentra, repito, desde o século XIX, um altíssimo nível de adoecimento profissional.
A complexidade da questão demanda, tanto do Estado quanto do conjunto da sociedade brasileira, uma séria tomada de posição. Não porque a educação vá salvar o país ou coisa do gênero, pois dizer isto é faltar com a verdade. Mas porque o professor ocupa-se de uma tarefa das mais fundamentais em nossa cultura: a da apresentação e condução das novas gerações à vida adulta. Só por isso – e sabemos que a função social/cultura/econômica/política é muito maior – já seria motivo para uma maior valorização do professorado. Tal valorização, no entanto, não é problema apenas do Estado como empregador, é também um problema que se refere e todos e a cada um de nós, pois como valorizar (e remunerar) melhor o professor e, ao mesmo tempo, conviver com uma sociedade tão desigual e injusta como a nossa? O que precisamos perguntar é: é possível fazer uma escola de qualidade para os mais pobres quando, cada vez mais, nossa sociedade parecer querer naturalizar a pobreza e as desigualdades sociais? Assim, convencer os jovens a escolher a profissão docente é uma tarefa que aponta para a necessidade uma profunda revisão de nossas prioridades como sociedade humana, e esta é uma tarefa que nos envolve a todos.
Para ilustrar el inquietante artículo enviado por Luciano Mendes de Faria Filho sobre la profesión docente, en tantos puntos similar a lo que sucede en Argentina, se nos ocurrió el conocido "El maestro de Escuela" de René Magritte.
La inquietante ilustración responde al inquietante tema.
Luciano Méndes de Faria Filho é Professor de História da Educação na Faculdade de Educação da UFMG e co-organizador do livro 500 anos de educação no Brasil (Ed. Autêntica, 2002)
Muchas gracias Luciano


No hay comentarios.: